POENTE
Frio! Como estava frio nessa noite...
Como ele sentia fria a sua existência.Vazia de sentido, pelo menos do sentido a que se habituara a dar às suas coisas...O modo de pensar que lhe haviam ensinado...
Era hora do regresso a casa, depois do passeio que usualmente costumava dar pela tardinha no jardim. A noite caíra depressa mas... a idade já não permitia a veleidade de andar muito rápido.
Pelo caminho ia, mais uma vez, pensando no que havia sido a sua vida, a nostalgia de tudo o que havia tido e gozado e já não tinha...Era forçado a admitir que quase sentia inveja dos mais novos e do que estes ainda podiam fazer, mas, no entanto, o seu coração dizia-lhe que isso estava errado .Mas doía... se doía.Era a vida injusta? Não sabia responder e no seu interior sentia duas respostas. Absurdo! Mas era o que sentia...
Pelo caminho passa por grupo de jovens que na estrada ainda brincam com uma bola. A mesma, de repente vem até aos seus pés e ele ouve:
-Velho! Passa a bola! Não ouves?
Ao ouvir isso ele pára. Volta-se para eles e num instante, quantas coisas lhe passam pela cabeça.
A revolta pela má educação, pela falta de consideração, pelo sentimento de exclusão... A vontade dele era...era... E sente lágrimas nos olhos.
Apodera-se dele um misto de raiva e de perdão, admirando-se ainda com o amor que de um modo suave sente brotar no seu coração...Será possível?
Um dos jovens vem até ele e pede-lhe a bola e, ao vê-lo de lágrimas nos olhos, fica por uns instantes desconcertado. O olhar de quem ainda não conhece a vida e o olhar de quem já quase a viveu.
-Toma.
O jovem recebe a bola olha-o mais uma vez e afasta-se
-Desculpe
Essa palavra aqueceu um pouco o seu coração. Pensou:
"O que ele sabe da vida?..."
Mas depois disto parece que ainda se sentiu mais longe dela... Ou seria mais consciente das ilusões que a mesma tinha? Será que a experiência lhe estava a mostrar a vida por outro prisma?...
Não tinha ele já tido a oportunidade que aquelas crianças estavam a ter?Aproveitara-a bem?
Neste momento já não sabia responder como queria a essa pergunta.Uma cálida sensação de paz e dever cumprido tomava conta do seu ser.
O frio cortava na sua pele e ao mesmo tempo na sua personalidade, deixando-o cada vez mais desnudo perante a realidade da sua vida.
"Vamos lá apertar o passo".
Nuvens passavam no céu e com elas... bocados da sua vida.
"Deus! Como tudo isto é ilusão. Porque só agora estou a tomar consciência disto?Agora parece tarde..."
Será?
Casa! Finalmente!
Ao entrar pensa em quantas vezes já repetira aquele gesto. Estranho pensamento esse...
Ao mesmo tempo sente que era a última vez que o fazia.
"Tolice! Mas... se for...Já estou pronto. Será o que Deus quiser!
Vivia sózinho e por um momento a situação quase o assustou mas...já estava assim havia alguns anos.Aqueles que amava já cá não estavam. Muito tinha chorado e sofrido com isso, mas a sua dignidade levara-o a esconder isso dos outros.
Aos poucos aprendera a aceitar a vida como ele era com um misto de resignação e de amor por essa mesma vida. Um amor mais desligado e desinteressado, por isso maios puro, por tudo o que o rodeava, tinha, devagar tomado conta do seu coração.Tinha aprendido com as lições que a vida lhe tinha dado. A revolta já tinha tido a seu tempo...
Como é escuro e ao mesmo tempo luminoso o fim de uma existência.
Era um homem ligado à vida espiritual, para além de qualquer religião.Aprendera a ser religioso ao seu modo. Aprendera a inspirar o amor do Pai e a expirar gratidão pelo mesmo.
A solidão da sua vida actual havia-lhe dado uma companhia interior como ele nunca sentira. Uma certeza e serenidade que só os pés lavados no sangue do coração conhecem...
Desejou que todos conseguissem ser assim na velhice e pediu a Deus por isso.
Enquanto se deitava perguntou a si mesmo se teria cumprido tudo o que podia na sua vida...
"Será que podia ter feito melhor'Claro!" Mas só agora o via...Quanto tempo perdido...
Ficou escutando o seu coração, como que esperando uma repreensão... Mas ela não veio.Já estava cansado para se recriminar. Ao invés disso sentiu uma espécie de perdão e de calor que advém de quem se sente perdoado e se perdoou a si mesmo.
O sono ia chegando e ele lembrou-se das crianças a jogar. Sorriu.
Lembrou-se do seu jogo na vida. Esperava que Deus aprovasse o seu jogo e lhe perdoasse as faltas cometidas no mesmo...
-Perdão...
-Deus...
"Adormeceu"...
Para todos os jovens velhos que pensam que toda a vida é deles e para todos os velhos jovens que pensam ter chegado ao fim do caminho.
Para todos um grande abraço e... joguem sempre pelas regras do coração!
Frio! Como estava frio nessa noite...
Como ele sentia fria a sua existência.Vazia de sentido, pelo menos do sentido a que se habituara a dar às suas coisas...O modo de pensar que lhe haviam ensinado...
Era hora do regresso a casa, depois do passeio que usualmente costumava dar pela tardinha no jardim. A noite caíra depressa mas... a idade já não permitia a veleidade de andar muito rápido.
Pelo caminho ia, mais uma vez, pensando no que havia sido a sua vida, a nostalgia de tudo o que havia tido e gozado e já não tinha...Era forçado a admitir que quase sentia inveja dos mais novos e do que estes ainda podiam fazer, mas, no entanto, o seu coração dizia-lhe que isso estava errado .Mas doía... se doía.Era a vida injusta? Não sabia responder e no seu interior sentia duas respostas. Absurdo! Mas era o que sentia...
Pelo caminho passa por grupo de jovens que na estrada ainda brincam com uma bola. A mesma, de repente vem até aos seus pés e ele ouve:
-Velho! Passa a bola! Não ouves?
Ao ouvir isso ele pára. Volta-se para eles e num instante, quantas coisas lhe passam pela cabeça.
A revolta pela má educação, pela falta de consideração, pelo sentimento de exclusão... A vontade dele era...era... E sente lágrimas nos olhos.
Apodera-se dele um misto de raiva e de perdão, admirando-se ainda com o amor que de um modo suave sente brotar no seu coração...Será possível?
Um dos jovens vem até ele e pede-lhe a bola e, ao vê-lo de lágrimas nos olhos, fica por uns instantes desconcertado. O olhar de quem ainda não conhece a vida e o olhar de quem já quase a viveu.
-Toma.
O jovem recebe a bola olha-o mais uma vez e afasta-se
-Desculpe
Essa palavra aqueceu um pouco o seu coração. Pensou:
"O que ele sabe da vida?..."
Mas depois disto parece que ainda se sentiu mais longe dela... Ou seria mais consciente das ilusões que a mesma tinha? Será que a experiência lhe estava a mostrar a vida por outro prisma?...
Não tinha ele já tido a oportunidade que aquelas crianças estavam a ter?Aproveitara-a bem?
Neste momento já não sabia responder como queria a essa pergunta.Uma cálida sensação de paz e dever cumprido tomava conta do seu ser.
O frio cortava na sua pele e ao mesmo tempo na sua personalidade, deixando-o cada vez mais desnudo perante a realidade da sua vida.
"Vamos lá apertar o passo".
Nuvens passavam no céu e com elas... bocados da sua vida.
"Deus! Como tudo isto é ilusão. Porque só agora estou a tomar consciência disto?Agora parece tarde..."
Será?
Casa! Finalmente!
Ao entrar pensa em quantas vezes já repetira aquele gesto. Estranho pensamento esse...
Ao mesmo tempo sente que era a última vez que o fazia.
"Tolice! Mas... se for...Já estou pronto. Será o que Deus quiser!
Vivia sózinho e por um momento a situação quase o assustou mas...já estava assim havia alguns anos.Aqueles que amava já cá não estavam. Muito tinha chorado e sofrido com isso, mas a sua dignidade levara-o a esconder isso dos outros.
Aos poucos aprendera a aceitar a vida como ele era com um misto de resignação e de amor por essa mesma vida. Um amor mais desligado e desinteressado, por isso maios puro, por tudo o que o rodeava, tinha, devagar tomado conta do seu coração.Tinha aprendido com as lições que a vida lhe tinha dado. A revolta já tinha tido a seu tempo...
Como é escuro e ao mesmo tempo luminoso o fim de uma existência.
Era um homem ligado à vida espiritual, para além de qualquer religião.Aprendera a ser religioso ao seu modo. Aprendera a inspirar o amor do Pai e a expirar gratidão pelo mesmo.
A solidão da sua vida actual havia-lhe dado uma companhia interior como ele nunca sentira. Uma certeza e serenidade que só os pés lavados no sangue do coração conhecem...
Desejou que todos conseguissem ser assim na velhice e pediu a Deus por isso.
Enquanto se deitava perguntou a si mesmo se teria cumprido tudo o que podia na sua vida...
"Será que podia ter feito melhor'Claro!" Mas só agora o via...Quanto tempo perdido...
Ficou escutando o seu coração, como que esperando uma repreensão... Mas ela não veio.Já estava cansado para se recriminar. Ao invés disso sentiu uma espécie de perdão e de calor que advém de quem se sente perdoado e se perdoou a si mesmo.
O sono ia chegando e ele lembrou-se das crianças a jogar. Sorriu.
Lembrou-se do seu jogo na vida. Esperava que Deus aprovasse o seu jogo e lhe perdoasse as faltas cometidas no mesmo...
-Perdão...
-Deus...
"Adormeceu"...
Para todos os jovens velhos que pensam que toda a vida é deles e para todos os velhos jovens que pensam ter chegado ao fim do caminho.
Para todos um grande abraço e... joguem sempre pelas regras do coração!
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